terça-feira, 23 de novembro de 2010

Rotina

Uma cultura que se organiza para fugir à rotina acaba nos braços dos antidepressivos e ansiolíticos. A rotina é arma certa para desafiar o mandamento estóico (o passado é tudo o que temos de seguro). Não somos escravos da rotina, somos é torturados pelos sonhos.

Filipe Nunes Vicente

sexta-feira, 30 de julho de 2010

SPA

Sanum per aqua... diziam os romanos. Este fascínio humano pela água só pode ter justificação no ventre materno. Nunca deixa de me surpreender o deslumbramento humano quase unanime pela água. Da minha parte, na África ou na Europa, se dúvidas houvesse, fica claro que eu sou um romano!


E ainda algo mais... adoro a paisagem bucólica do Minho. Depois de quase duas décadas de afastamento forçado deste cenário, regressar ao verão minhoto ainda para mais agora banhado em águas tépidas faz-me sentir revigorado. Hoje passo aqui a minha primeira noite de verão em muitos anos. A expectativa é grande... esteve tudo guardado na cabeça à espera: a quente paz nocturna feita do harmonioso frenesim de grilos, alguns pássaros nocturnos, o latir de cães ao longe entremeado com o entoar de avé maria repartido em quartos da hora, as luzes dispersas das aldeias do outro lado do vale, e até linha incandescente das chamas longínquas que aqui chegam apenas romantizadas. Tudo debaixo do nocturno sarapintado de vivas estrelas celestes rasgadas por frequentes estrelas candentes. Posso passar por muitos lados, mas nunca vou deixar de ser daqui.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Estilo

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Barcelos


*Outras lojas: O orgulho de ser um produto Português

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pré-Epoca

Eram dois meses de liberdade. As Férias Grandes. Julho e Agosto. Os dois responsáveis por deformar o meu calendário mental - uma elipse feita pelos meses divididos em semanas, que tinha neste período uma forma desproporcionalmente alongada. Parecia-me que por estas alturas do ano o tempo nunca mais acabava... demorava mais a passar e mais preenchido do que nunca. Por oposição... de Setembro a Dezembro a elipse estreitava. Nunca dava conta do tempo passar até ao Natal. Mas sobre a geometria da minha elipse hei de voltar...

Era então em Setembro que acabavam as férias se preparava a nova época. Setembro era tempo de pré-época, sinónimo de que se vivia também uma ou duas semanas de pré-escola. Depois de dois meses repletos de ócio e desleixo o corpo esquecia para que tinha sido feito. Os anteriores 10 longos meses de treino pareciam uma vaga memoria nas formas adelgaçadas com que os membros e dorso chegavam ao final de Agosto. Sempre me surpreendeu a fraca memória muscular. Como era possível num corpo que parece memorizar todas as marcas que lhe deixamos, que nuns parcos 60 dias se tivesse esquecido do que andou a fazer antes?

Avivar a memória, preparar o corpo e a mente para o novo ano, era motivação especifica durante aquelas 3 semanas. Muito trabalho depois haveria de continuar a ser feito durante todo o ano, num constante esforço de repetição de exercícios técnicos, e esforços físicos. Tudo programado para, pela repetição e constante esforço, condicionar o corpo a um estado de superior performance. Eram também... as 3 semanas mais dolorosas da minha existência! Três a quatro vezes por semana éramos esforçados até ao limite físico. A entrega física era baseada na confiança de que a carga era programada pelo treinador e pensada para a nossa idade... mas é com dúvidas que hoje recordo essa devoção.... essa confiança.

Aprendi nessa altura que durante exercício intenso e continuo o corpo, depois de consumir a energia disponível, recorre às reservas musculares para continuar a sintetizar os nutrientes necessários, no processo é libertado ácido láctico que vai entorpecendo de forma dolorosa a massa muscular... se o exercício não é parado, a dado momento o ácido é tanto que os músculos simplesmente paralisam. Era assim que o treino acabava quando, paralisados em dor, os meus abdominais recusavam-se a mexer mais! O paradoxo de tudo isto, é que o corpo durante e depois do exercício liberta endorfinas para regular a percepção de dor, e proporcionar relaxe e prazer. Tal como um bom admirador de S&M, a cada final de treino eu caia exausto na minha cama com um sorriso estampado nos lábios. Eu sentia-me bem!

Intervalados por pequenos momentos de relativa curta duração, passaram-se já uns longos 15 anos desde que deixei de o fazer. De sentir isso. Se 2 meses podiam levar os músculos a esquecer... 15 anos representam um longo definhar num sonolento Alzheimer. Perdida a massa e a forma, resta apenas o prazer de ressentir acordar da dor muscular. Ontem ao final de um pífio tempo de exercício, lá começou o ácido a correr... mas desta feita eu estava ali precisamente para iniciar a minha pré-época... e de braçada em braçada aumentei o esforço e a minha lactose. Impagável o sorriso saído daquela piscina de músculos inchados e doridos...

terça-feira, 18 de maio de 2010

Alfaiate

Por muito que possa apreciar os benefícios da mecanização e reconhecer o salto qualitativo resultante da Industrialização... o produto que sai isolado das mãos de um artífice será sempre para mim valorizado. É verdade que não será perfeito como uma maquina, e por ventura será mais caro por não ser feito por mãos em série... mas existe o que possa ser considerado uma certa veleidade de snobismo, de possuir e envergar o trabalho de outrem feito só para nós. Falta acrescentar que naturalmente eu terei de fazer o meu trabalho para poder pagar o dele. Portanto... é com certeza um snobismo controlado pelo meu mérito, ou falta dele. Claro está que nem sempre é possível recorrer a esse artifice para nos produzir as roupas. Ou por falta de escolha, ou por falta de tempo... ou por falta de mérito (meu) para pagar o mérito (dele). Ainda assim estou certo que com algum tempo e pesquisa, certamente que se encontram boas opções no mercado.


Até lá, pois com o pouco tempo disponível tenta-se recorrer ao que o prêt-à-porte nos pode oferecer de mais parecido. Por vezes arrisco o limite do que o meu mérito pode me oferecer para um quasi-manual, onde ainda fazem um ajuste a pessoa. Não gosto de plasticidades, e coisas forjadas. São peças lindas, feitas com qualidade e arte, e que posso vestir com gosto...

O que não precisavam era de vir com o raio daquele tresponto só para iludir a imaginação do cliente a dar laivos de personalização... e que depois me demorou trinta minutos a tirar e deixou vários furos no tecido!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Death

Em inglês, pois é essa a língua do mundo virtual. Esse mundo que nos deu uma nova dimensão. Abrimos a janela virtual, ou devo dizer a window(s), e lançamos a nossa vida para um novo mundo, desta feita não de oceanos de água, mas de bits e bites que nos dão uma infinidade de novas costas para avistar. Tantas quantas as pessoas, e essas são aos biliões. Depois das pessoas há ainda as consciências colectivas, as comunidades e mesmo os sistemas que por vezes interagimos sem perceber que na realidade não estamos a comunicar com ninguém. Ou melhor... estamos sim, mas é um "alguém" feito de software que interage connosco, uma espécie de consciência individual ainda limitada no raciocínio. Não é necessário ser fã de ficção cientifica para perceber que, ao ritmo alucinante do progresso da computação, em breve estas entidades ganharão vida própria...

Esta descorporização das consciências abre caminho para uma transmutação da vida para o mundo etéreo da virtualidade. Mais uma vez... nada disto é novidade. Muitas foram as visões já adiantadas sobre a modernidade feita na virtualidade. Arrisco contudo que o foco usualmente é sobre a emergência das máquinas, ou dos softwares, esse "alguém" que não existe ainda mas que se anuncia que "vem aí". É com certeza mais fácil de conceptualizar do que a transmutação para a virtualidade... da vida humana. O problema da Alma, da Consciência, o Intelecto humano. Hoje não nos restringimos apenas a ser o que sentimos palpável nas mãos. Ao mesmo tempo que abrimos a window(s) para vermos esse novo mundo, levamos connosco para lá parte, ou até grande parte, do que é a nossa vida. Vivemos com toda a nossa informação registada on-line, mas vivemos também com os nossos blogs, com os nossos emails, as nossas redes sociais, os nossos amigos (virtuais e bem reais), tudo isso... os amigos, os pensamentos, as reflexões, as paixões, os hobbies e os amores estão hoje reflectidos, mas também a viver ali! A tal nova dimensão virtual da vida permite-nos transcender para alem dos limites do físico, somos também virtuais... na vida, e na morte!

Morremos virtualmente tantas vezes quantas quisermos. Com mais ou menos trabalho, podemos ressuscitar para uma nova vida, ou tentar continuar a anterior... mas e quando morremos na realidade? O que acontece à virtualidade?

O Facebook, na sua constante amabilidade de promoção altruísta da amizade pelo planeta, sugere-nos simpaticamente no seu quadro direito os amigos que ele pensa que nos faria bem ter na nossa "rede". Nas últimas semanas, ele insiste que eu me faça amigo de alguém que na verdade... já morreu! Todos os dias me pergunto se devo ser amigo de um morto.

A morbidez da sugestão não me impede de olhar com carinho ao memorial que existe naquela página. É possível que seja também uma homenagem... um cemitério virtual.

No Secúlo XXI... prepara-se a morte em toda a sua amplitude, o fim do corpo e o nosso fim virtual.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

TimeOut


É uma cidade pequena. É uma cidade fechada. É uma cidade cinzenta. É também a minha cidade. O que não quer dizer que não venha a ter outras. Existem sempre outras... Mas este será um daqueles casos que o primeiro amor ficará para toda a vida. 

Foi um verdadeiro flashback saudoso percorrer as 101 actividades propostas pela TimeOut Porto nº1 para fazer na Mui Nobre e Sempre Leal Invicta. Na verdade, entre esta centena de coisas estimulantes, relaxantes, interessantes ou simplesmente curiosas, estão algumas recentes inovações trendy, ou da moda, de gosto dúbio e que certamente não constarão de hipotética igual lista a ser lançada no nº100. Mas em todo o caso o meu Porto está ali. Não é só aquele, há muito mais que ali não está. Mas em cada passo, a cada proposta, eu reencontrei-me ali, naquele local num qualquer momento pretérito do tempo.

Não vou esconder o meu provincianismo ao regozijar com a criação da TimeOut Porto. Só posso entender que se foi criada é porque a cidade atingiu uma maturidade cultural que lhe permite alimentar mensalmente aquelas páginas. Passa agora a figurar ao lado de centenas de cidades de reconhecida valência cultural e que por isso justificam a criação de uma magazine, um guia, um compêndio de tudo aquilo que um punhado de iluminados do momento mais os apoios publicitários colocam a chancela de: relevante!
Por outro lado, e a julgar por algumas recentes inovações no mercado das publicações em Portugal (ver a fraca qualidade da Playboy Portugal) já compreendi que há iniciativas que se revelam ser menos pensadas e programadas do que inicialmente seria de esperar e o resultado é bastante desapontador. Por tudo isto, convém controlar as expectativas já que não sei quanto tempo vai durar e que conteúdos vai poder continuar a apresentar. Temo até que, dentro de um ano ou assim... o flare inicial se tenha desvanecido e simplesmente se coloque em stand-by o projecto.

Mas o meu provincianismos bacoco é mais profundo. Talvez inclusive se revista de um certo egoísmo conservador. Eu não gosto de ver as minhas memórias, a minha cidade, a minha vida... num guia! É uma violência olhar para as experiências que vivi e imaginar alguém com uma revista na mão entrar pela porta a dentro à espera de encontrar os tais cachorros que eu só descobri passados muitos anos que existiam numa porta pequena, algumas ruas ao lado da minha faculdade, ou saírem da discoteca de máquina na mão para fotografar aquele nascer-do-sol do miradouro às 0730 da manhã porque a revista diz que é fenomenal! Foram tudo pequenos segredos e surpresas que me levaram anos descobrir, com os quais cresci, alguns fruto do acaso, outros partilhados no falso segredo da amizade. É por eu possuir aquele conhecimento que as pessoas sabem também que aquela é a minha cidade.

Aquele guia... banaliza-me e mercantiliza-A. Alguém pegou num património cultural comum... e colocou-o ali à venda. Da próxima vez que alguém visitar a Invicta e me perguntar por dicas... posso simplesmente dizer: vai ver a revista!

Estou provavelmente a exagerar e a mentir. Na verdade... o que eu diria seria: bai ber a rebista! ...e isto, acho que nem a TimeOut consegue por alguém naturalmente a dizer!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Saldos

Se as mulheres não existissem, todo o dinheiro do mundo deixaria de ter significado...
Aristóteles Onassis


*Ainda sobre o Dubai

sábado, 1 de maio de 2010

Artificial

ar.ti.fi.ci.al - comum de dois géneros

1. Feito por arte ou indústria;

2. Que não é natural;

3. Dissimulado; fingido; postiço;

Assim é o Dubai. Artificial. Mais pelos dois primeiros que do último. Não encontro muita dissimulação. Tudo que é copiado, é assumidamente assim. Talvez postiço seja o enquadramento islâmico, pelo desvirtuar da génese cultural arábica... resultado de uma intensa pressão demográfica externa trazida pela evolução civilizacional empurrada à força do dinheiro do petróleo. No entanto a artificialidade é total. Nada é natural. Não houve aqui uma evolução espontânea normal. Nem a pouca vegetação existente foi per si gerada. Tudo foi trazido de fora e feito sobre as areias vazias do deserto. Se esquecermos a oração que se faz soar nos corredores do shopping, e um ou outro constrangimento que resiste ainda do legado árabe, o Dubai é com certeza um dos locais mais multiculturais do planeta. 90% da população é estranha a este lugar, aqui reside sem lhe chamar casa. Vem de toda a parte do mundo, será por ventura o mais semelhante que possuimos neste momento a uma estação Lunar na Terra. Pelo menos aridez vazia é o que não falta à volta. Não é a artificialidade que me incomoda.

Depois existe a oferta. O consumo bate-se subrepticiamente pelo lugar de religião predominante. Mas se o consumo é associado a bens materiais, todos os que existem à face do planeta e em particular os mais luxuosos, por outro lado também é composto pela oferta cultural. Não é certamente Berlim, ou NYC, ou Londres, ou Paris, mas o que de melhor se faz musicalmente e de exposições passa de tempos a tempos por aqui. Não se sobrevive mentalmente... até aí vive-se com luxo.

A constatação mais marcante é a de que todos os que vieram, somados aos poucos que cá estavam, vieram sobretudo pelo dinheiro. O que move aqui as pessoas é a ganancia e ambição. Como uma versão moderna de uma cidade do ouro no oeste americano, desta feita sobre a capa da sofisticação da knowledge economy e dos serviços de topo. Todos passam por aqui para ganhar o seu quinhão. Outros vêm simplesmente na expectativa de encontrar naquele restaurante ou naquela reunião o furo das suas vidas. Passeio-me entre eles e ouço as suas conversas. Não lhes reconheço uma ambição ou ganancia desmesuradas. Se há algo que posso distinguir é a cosmopolitismo e a diversidade que enriquecem o ambiente. O problema é o resultado do somatório destas vontades, destas predisposições mentais... um individualismo hedonista que, como um estupefaciente incolor e inodoro, inquina as águas dessalinadas roubadas ao mar que sustentam esta babilónia e todos intoxica. Não há um fito comum à comunidade... todos apenas estão aqui para e por si, e desejam invariavelmente partir.

Uma terra de passagem, de crescimento, artificial, e de sustentabilidade precária. E no entanto... extremamente divertida!


sexta-feira, 23 de abril de 2010

Luanda

Carta Aberta sobre Luanda, para memória futura.

Começo com um disclaimer. Eu não conheço Angola. Inclusive sinto-me pouco habilitado para afirmar que conheço muito bem Luanda por comparação a quem lá vive. Por motivos profissionais eu visito com alguma regularidade Luanda desde 2008 e é possível que 'tenha' de aí vir a viver.

Muito se fala sobre Angola. O que posso dizer é que na verdade, poucas foram as opiniões que eu ouvi e que depois de lá ir considerei equilibradas. Aquela terra é feita de fortes contrastes e isso provoca reacções intensas nas pessoas. Tudo fica no patamar amor ou ódio.

Alguns surgem como encadeados pelo sol, outros não descortinam nem uma pequena luz na escuridão imensa. Na verdade o sorriso das pessoas depende muito do que elas estão ali a fazer, de como vieram lá parar e em que condições vivem ali. Não quer isto dizer que quem tenha excelentes condições goste, ou o inverso, que quem vive em relativas más condições não goste. O que significa é que cada um encontra em Luanda um pouco o reflexo do que traz consigo e daquilo que pretende da vida.

À pergunta como se está em Angola, eu começo por responder com a análise tal como a fiz para mim. A minha visão é muito pragmática, a começar pelo o que é a vivencia quotidiana. Esta é uma terra difícil. Tudo é difícil. Desde os aspectos mais simples e práticos da vida, até à psique e a espiritualidade. Alias para mim aqui há duas palavras constantes… “difícil” e “paciência”.

Viver em Luanda sem uma lifenet bem montada é um pavor. Se não estiveres prevenido, Luanda agride-te displicentemente e com facilidade sucumbes ao seu pulsar. É assim que alguns não aguentam os três primeiros meses. O nível básico da pirâmide da Maslow, mesmo para os abastados, é aqui um desafio! Comer… dormir… abrigo…deslocar de A a B são tarefas complexas se não existir uma estrutura bem implementada e dinheiro. Mas mesmo tendo dinheiro, nada é garantido.

Se há uma coisa que viver fora me ensinou foi a importância preponderante que uma boa casa representa na nossa experiencia de vida. Onde quer que se viva, é necessário possuir uma boa casa, mas isto é particularmente importante se viver fora do nosso contexto. Por “boa” entende-se um espaço onde seja possível nos sentirmos bem, confortáveis e onde seja possível recuar e recolher para retemperar, reflectir, proteger. Aqui encontrar um espaço desses é difícil. Ultrapassada a questão dos preços astronómicos (uma renda de um apartamento com padrões europeus de qualidade no centro pode rondar cerca de 15k euros mês ou mais) e da fraca oferta existente, os trade-offs com que nos defrontamos são imensos. Ou é perto do centro e assim evitasse o transito infernal, e nesse caso será at best um apartamento bom mas pequeno, ou então uma casa velha, que vai ser remodelada, mas que a qualquer momento a sanita pode rebentar e inundar a casa com esgotos porque a canalização é velha e o esgoto da rua entupiu, ou então procurar uma vivenda fora da cidade com tudo novo e funcional, jardim e piscina, com padrões europeus e naturalmente mais barata que os apartamentos no centro… mas depois ter de passar 2 horas para fazer 10km até ao centro da cidade. Muitos são os que saem de casa as 0600h para não apanhar tanto transito! Em qualquer dos casos… terá sempre de existir um gerador eléctrico porque a electricidade falha! O serviço de água por vezes falha também. A qualidade de construção é fraca. O recheio ou se traz do pais de origem e esperasse meses para desalfandegar ou paga-se preços proibitivos, como US$200k para mobilar uma casa T3. E mais uma vez… a oferta não é muita. O mesmo se aplica a tudo que são bens de consumo. Há o que há, e mesmo o que há… nem sempre está disponível!. O certo é que se paga sempre preços absurdos.

O transito, que já é lendário, é um dos factores mais perturbadores. Quando se fala em trânsito a um europeu, ele reconhece o problema, sabe que é um fenómeno que afecta a vida das pessoas, mas está longe de compreender os reais impactos de uma cidade que vive num constante congestionamento. Estar 1 hora para atravessar a cidade é normal. Aqui se as coisas correm mesmo mal, é possível estar essa 1 hora, sem sair do mesmo sitio! Isto significa que o conceito de liberdade é fortemente amordaçado. Porque não existe liberdade para se movimentar. Estamos literalmente presos. As reuniões, raramente mais do que uma por meio dia porque não dá tempo, os encontros de amigos, as compras, nada nesta cidade é feito de forma espontânea. Tudo envolve planear e grande esforço para deslocar. Os carros são preferencialmente com mudanças automáticas, mesmo os mais pequenos, porque o esforço de estar a carregar na embraiagem é extenuante para o condutor. Portanto a liberdade de movimento, que é seguramente uma das mais importantes liberdades, aqui está constrangida. E mesmo quando realmente chega-se onde se quer…usualmente não há onde parar o carro! Ou seja, ou possuímos motorista que assim leva o carro e vai estacionar sabe lá deus onde, ou então… bom… não se vai! Falta acrescentar que, num pais onde o petróleo representa 50% do PIB, a gasolina é importada e as filas de abastecimento não poucas vezes atingem 1hora! Curiosamente é exactamente o mesmo na Nigéria. Há filas para abastecer ás 2300h... porque as pessoas tentam ir a essa hora porque demora menos!

Para complicar a questão, por algum motivo que até agora ninguém me conseguiu propriamente explicar, não há táxis em Luanda. Ou seja… ou se tem um carro, ou então… não se vai a lado nenhum! Isto é simplesmente assim. Não se sai. Fica-se em casa. Novamente preso. Enfim, não será tanto assim se formos minimamente aventureiros e estivermos na disposição de apanhar boleia ou pagar a simples condutores para nos levarem até onde queremos. No entanto, não é propriamente espectável sair com alguém para jantar no novo restaurante da cidade, e no final pedir boleia na berma da estrada… Desde o CAN, que foi agora em Janeiro, aparentemente já passaram a existir táxis oficiais, mas confesso que ainda não consegui apanhar ou mesmo ver algum!

A comida será um dos aspectos que ninguém se pode queixar em Luanda. Come-se bem em Angola. A gastronomia é interessante e cozinham bem. Claro está que… hoje num hotel paga-se US$72 por um bife e coca-cola! Esta ordem de preços é generalizada a todos os serviços. Um almoço numa lanchonete, um bonito termo brasileiro, mas que julgo ilustrativo do tipo de restaurante, custa em geral US$45. Claro que é possível comer num boteco qualquer, mas ai correm-se os riscos usuais… mesmo assim ainda há pouco tempo vários foram os que apanharam uma intoxicação alimentar numa recepção oficial de uma embaixada. Por ingredientes de qualidade, ou produtos normais internacionais, pagam-se preços inacreditáveis. Uma boa alface num supermercado mais caro e de qualidade pode custar US$20. Recordo-me que fiz contas quanto me ficaria ir jantar fora uma vez por semana em casal. Ao final de um mês seriam entre US$400-500. Portanto… até a comida pode significar um desafio.

De tudo isto se depreende que não tenho ilusões sobre esta terra. Falta dizer que… isto está muito melhor! Desde 2008… vi francos progressos. E se tudo o que atrás foi dito é verdadeiro, na realidade a cada visita que faço sinto que está sempre um pouco melhor.

Em resumo, estamos no primeiro patamar das necessidades, e… a situação, no mínimo, não é sedutora. Mas assumindo que entretanto sempre se conseguiu montar a uma lifenet, arranjar uma casa decente, carro próprio, ganhar o suficiente para não se estar propriamente limitado na vida quotidiana… o que se vai encontrar nos restantes patamares? O que oferece Luanda?

A partir deste ponto a experiencia de Luanda altera-se profundamente. Contudo, a vivência vai depender do tipo de vida que se opta e no fundo da personalidade e do que se procura. Angola é uma terra aberta, tem alma, tem vida… há uma atmosfera de esperança e por momentos devolvem o horizonte que na Europa parece perdido. O chamamento de África é real, e cativa quem o sente. Existe depois a ligação a Portugal que é efectiva. Prevalece uma proximidade muito grande com as gentes e com a terra. Existe um forte legado Português e é fácil cair na tentação de sentir que esta terra é também um pouco nossa. Isto pode ser bastante prejudicial, mas não me vou estender para já sobre esta parte. O clima, para pessoas que gostem de calor e suportem humidade, é bom… e viver sem ter nunca de usar uma camisola incute um espírito de liberdade e omnipresente bem estar. Apenas os mais vaidosos se vão queixar de não ter oportunidades para vestir roupas mais elaboradas!

E se roupa elaborada não é propriamente uma preocupação, pelo contrário, não ter uma oferta cultural mínima é estupidificante! De inicio não nos apercebemos, até achamos que não é de todo impossível viver sem isso. A cada saída do país compra-se as revistas que vão relembrar de tudo aquilo que deixamos para trás e senti-mo-nos “por dentro”. Depois com o passar do tempo começamos a perceber as exposições que não vimos, os concertos que não assistimos, as novidades e os trends que saíram e nem sentiste. Claro que África também altera a nossa percepção de prioridades. Certas coisas tendem a perder importância. Talvez de uma determinada forma re-ganha-se uma ligação mais primária à terra e à vida… mas convém que se mantenha a janela virtual da internet sempre aberta para pelo menos pedir à Amazon que envie as ultimas novidades literárias! Claro está que… correios aqui são outro pesadelo!

Existe mais um factor que me parece bastante importante referir. Aqui somos excepcionais. Mesmo considerando o número desmesurado de Portugueses que estão aqui a viver… aqui somos brancos, somos “mais”… e isso, ainda que se resista… é subtilmente intoxicante. Sei por experiencia própria. Viver em países onde te destacas confere-te um estatuto inato. Uma diferenciação que é transversal aos diversos aspectos da tua pessoa e omnipresente em todos os teus actos. Mesmo que se tente combater isto, o sistema, a cultura, as próprias pessoas, para bem e para mal, vão nos lembrar disso. Usualmente… é para bem, o que significa que aqui, ou noutros locais do género, nos senti-mo-nos especiais…

Mas seguindo em frente… e porque até agora não falei de como se vive realmente por aqui, vou ficcionar um pouco o que é viver em Luanda baseado em episódios e observações do meu quotidiano:

A Catarina vive no compound privado que o banco arranjou ao marido que é director delegado aqui em Luanda. Lá tem duas empregadas que ajudam com os miúdos e um jardim com piscina. Tudo é calmo e pacífico. Nada daqueles afazeres domésticos chatos que tiram metade das horas livres que assim são gastas por inteiro com a família. Com sorte tem até um emprego que lhe dá uma sensação de utilidade, mas na verdade é pela família que ela está aqui. A segurança dentro dos muros é garantida e mesmo nas deslocações pela zona sul de Luanda não há problemas. Ocasionalmente uma festa fora, mas em geral é o BBQ com os amigos a escolha de preferência. Os amigos esses, são sempre também do banco ou das petrolíferas, que têm os dois compounds ao lado. Dá-se muito bem também com um dos administradores de uma construtora conhecida Portuguesa. Na verdade aqui ela é elite, e convive com a nata dos gestores, empresários e demais expatriados. Muitos deles tem bonitas historias de vida e certamente que as conversas na sombra dos jacarandás serão sempre mais interessantes do que as que tinha em Portugal. Claro que não faz propriamente passeios com os filhos pela praia, ou consegue ir as compras com as amigas, ou tirar aquele curso de dança ou pintura que gostaria, e depois Portugal está realmente longe… as saudades são muitas. Incentivou um clube de leitura onde se reúne com outras mulheres semanalmente para debater um livro e assim tentar alimentar a cabeça. Por fim vive no pânico do marido a largar um dia destes por uma daquelas negras esbeltas, as quais ela tantas vezes apanha a olharem babadas para o seu marido, que constrangido tenta disfarçar para não a preocupar. Ele sabe como elas são agressivas, e de tudo faz para passar incólume e viver em paz. A vida aqui é também para ele seguramente menos stressante e bastante boa. Ela tem pena da pobreza que vê por todo o lado e que contrasta com a insular opulência do luxo onde vive. Fica de lágrimas nos olhos quando ve aqueles miúdos amorosos mas sujos e todos rotos que vão atrás do carro a brincar quando ela passa pelo meio dos bairros a caminho de casa. Ainda assim… esta é uma terra nova e cheia de potencial, e tanto ela como ele são bem capazes de ficar cá para sempre!

O Rodrigo vive num pequeno mas bom apartamento ao estilo europeu no centro da cidade. Chegar ao escritório, que é também no centro, demora apenas 30 minutos com o motorista. No entanto é raro sair com tempo para aproveitar alguma coisa. Trabalha muito e sai tarde, pois também não tem ninguém em casa para o receber. Está cá sozinho. Tem uma empregada que lhe trata da casa, e ocasionalmente faz as compras e cozinha. Não é casado, mas também não se iludiu com o apelo do ébano. Sabe bem os problemas que pode ter, e depois… na verdade a maioria das locais só se interessam por ele ser branco e “rico”. As poucas locais que ele conhece e que lhe podiam interessar, estão noutro nível estratosférico onde ele apenas ocasionalmente tem acesso. Veio para avançar na carreira e porque o dinheiro é aliciante. Tem a esperança que acabado o período de 3 anos aqui, possa mudar para algo novo, diferente melhor… e é também essa a esperança que os administradores lhe incutem. Aqui ele tem acesso directo a eles, eles percebem melhor o resultado do seu trabalho. O mercado é muito difícil e tudo está por fazer. Ao mesmo tempo é uma experiencia de trabalho interessante muito valiosa. Quando sair daqui… será um profissional maduro, não mais um jovem sem provas dadas. Alguns fins de tarde ainda consegue ir beber um copo com os amigos, mas é nos restaurantes de referência e nos clubs do costume que o dinheiro é gasto aos fds. Também costuma ir com um grupo de outros solteiros e alguns casados para umas praias engraçadas aos fds. Mas na verdade, não viaja muito porque o interior não é muito seguro e os hotéis são rascas. As férias e as licenças de recuperação são usualmente passadas em Portugal, onde mata saudades da família, amigos.. e deslumbra com a sua vida expatriada.

Tudo isto é bastante diferente do seu amigo Ricardo, o qual veio cá pela aventura. O tecto salarial da ONG não lhe permite ter o apartamento “europeu” igual ao do Rodrigo, e assim tem um pequeno mas razoavelmente arranjado apartamento também no centro de Luanda, o que lhe rende 30 minutos até ao escritório no carro velho que arranjou, que com sorte consegue estacionar perto. Apenas que o apartamento fica no 7 andar de um prédio dos anos 70 e o elevador raramente funciona. Isto é sobretudo aborrecido nas alturas que tem de levar as compras pelo prédio acima. Serve de exercício embora ele vá com regularidade ao ginásio para exercitar. Algumas vezes já se aventurou a fazer jogging à noite, mas esse é todo o exercício que lhe é permitido de forma espontânea, pois andar de bicicleta ou roller-blades como fazia nos EUA onde tirou o curso é completamente impossível. Foi também no ginásio onde conheceu o Rodrigo, que depois encontrou várias vezes nos sítios do costume, com as pessoas do costume. Acabou por ter sorte e conseguiu fugir do restrito e claustrofóbico circuito português e arranjou um eclético grupo de amigos expat estrangeiros com quem usualmente se encontra em festas privadas e faz fds de campismo e algum surf… mas há sempre que ter cuidado para tentar não ter um acidente sério, ou apanhar uma zona com minas… afinal os serviços médicos em Angola não são ainda de confiar para problemas “sérios”, que em ultimo caso obrigam a evacuar para a Africa do Sul. Claro que… se o acidente for naquela estrada congestionada que ele faz sempre à noite ao domingo quando se demora 2 hora par regressar a Luanda, não haverá ambulância e helicóptero que chegará a tempo. Aproveita os fds para viajar pelo interior do pais, ver o que ele tem para oferecer de natureza ainda pouco explorada. Não há propriamente muitos animais nos poucos parques naturais que estão a ser criados porque na guerra foram todos mortos para alimentar os exércitos beligerantes, mas há todo um mundo de bonitas paisagens para ver. Já foi também ver os gorilas no Congo e as maiores dunas do mundo na inesquecível Namíbia. A internet é a sua janela, embora as vezes falhe, e assim vai mantendo o contacto com o mundo. Também tem já um grupo de amigos Angolanos, todos eles jovens quadros ou trabalhadores das ONG e está contente com os projectos e o trabalho que desenvolve. Embora aqui as coisas nestas áreas acontecem muito devagar e pode gerar alguma frustração. As férias que tira são para ir ver outros amigos em partes diferentes do globo. Sente falta da vida cultural que tinha em NY, onde por acaso foi assaltado por 2 vezes, tantas como aqui em Luanda, mas sabe que para já não é muito importantes estes aspectos culturais. Assim como arranjar uma mulher. Sente que ainda é novo demais para isso e sabe que não quer sacrificar a liberdade de puder sair daqui para onde quiser... sem olhar para trás.

Bastante contrastante da Carla, que é engenheira e veio para aqui trabalhar para uma grande empresa de construção. Passa grande parte do tempo na obra, num clima duro feito de homens negros e chineses. Todos os dias quando regressa a casa, um apartamento num prédio velho que a empresa lhe recuperou e que por dentro até podia ser um T2 novo em Loures, senta-se no sofá e bebe uma ou duas cervejas. Reflecte bem o que está ali a fazer, e acaba sempre por decidir viver um dia de cada vez. Sabe que é um sacrifício que pode compensar na carreira, embora não tenha nada seguro que vai voltar para um posto melhor do que o que deixou. Tenta sempre ir aos restaurantes mais populares mas decentes onde as refeições só custam US$25 e assim vai acumulando um bom pé de meia. Já tem alguns amigos locais que lhe mostram uma outra vida de Luanda. Aprendeu a dançar kizomba, goza entre amigos as últimas músicas dos cantores locais, sabe cozinhar pratos angolanos e já apanhou malária quando esteve 3 meses numa obra no Huambo. As vezes durante a noite ainda acorda a pensar naquela vez em que por um acidente e estupidez do chefe de obra, os trabalhadores negros se revoltaram e começaram a espancar os “pulas”. Ela por sorte conseguiu fechar-se dentro de um contentor e fugir mais tarde. Não teve tanta sorte perto de casa, onde já foi assaltada duas vezes com uma faca e também já encontrou o carro roubado uma vez. Cresceu como mulher. Mas o relógio não para, e agora que o namorado de 1 ano que tinha aqui foi embora de regresso para Portugal e eles acabaram, ela só pensa no final da comissão e poder também finalmente voltar… adormece secretamente a sonhar na reconciliação e numa vida calma em Lisboa.

O Rui veio para Angola para abrir uma filial da empresa do pai. O negócio dos alumínios no norte de Portugal estava a estagnar com a crise na construção, e todos “sabem” que é em Angola que se faz dinheiro. Inicialmente as coisas não correram muito bem. O ambiente é hostil, ainda para mais para Portugueses que chegam cá iludidos com o el dourado. Cedo percebeu os custos de instalação exorbitantes de um negócio em Luanda. Mais à frente compreendeu os hidden costs das “gasoas” e restantes subornos que vão oleando a máquina comercial em Angola. Demorou até ele conseguir encontrar as pessoas chave na alfandega e no governo, que ele lentamente e com uma habilidade que nem ele sabia possuir, começou a subornar. Agora tudo corre a velocidade de cruzeiro e na verdade… é Angola que está a salvar o negócio da família. O Rui tem uma casa que recuperou no centro de Luanda. Tem também uma boa rede de amigos portugueses que, tal como ele, vieram cá para fazer fortuna. Usualmente os fds são passados em deboche incontáveis de álcool e mulheres. A mulher em Portugal desconfia que nem tudo são rosas, ou ouro… mas não quer vir viver para o meio da poluição e esterqueira que abunda por Luanda. Tem medo dos assaltos e prefere a segurança da pacata Guimarães…

Nenhuma destas pessoas existe. Contudo, alguns destes episódios são verdadeiros. Isto obviamente não é uma imagem completa. Existe muitas outras vidas que podia aqui colocar, mas que para o caso não me parecem muito importantes.

No fim disto tudo... sei qual pode ser a vida que podia ter em Luanda.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

35






























Hoje é o teu dia.

domingo, 21 de março de 2010

Primavera

Deitei-me de bruços na terra

– cadáver com flores –

na esperança fria

de ouvir pulsar nas pedras

um coração talvez…

Mas em vão! Em vão!

Levanta-te, poeta,

e dá o coração ao mundo.

MELODIA, 1932, José Gomes Ferreira.


* No dia mundial da Poesia, o primeiro da Primavera.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Neve

Passava a porta e contemplava o céu azul... mas era na memória de como ele contrastava com o branco das montanhas que eu me retinha. Vão já longos 5 anos que não volto as montanhas. Quanto tempo se pode fugir de uma paixão?



Esta foi toda a neve que este inverno reservou para mim. O grilo de ontem à noite, que como a primeira andorinha prenunciava o calor que hoje se abateu, dizia-me no seu cantar que já não será este ano que à neve irei voltar. Agora, só quando o planeta acabar de dar a volta ao Sol. E com ele, também eu terei de dar uma volta em mim para não mais deixar cair as minhas paixões.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Monkey

*Macacos da Neve, banhando-se nas quentes águas vulcânicas do Jigokudani natural park. Se dúvidas houvesse, fica claro de onde provim...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Flamingo

*Joie de vivre

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Tigre

As madeiras brasileiras tinham um aroma muito intenso. Na altura desconhecia a sua origem noutro continente, mas aprendi que pau santo, ébano, pau rosa e outras que tais, eram sinónimos de longevidade e apreço. Desse cheiro nunca me vou esquecer. Como também me lembro sempre de como reflectiam a luz e contrastavam com o soalho de carvalho, esse sim que rangia corrompido pela idade e ressoava nas batidas das minhas sandálias de couro em corridas circulares pelos longos corredores da casa. No entanto, os móveis eram sobretudo para mim trampolins do meu peso ligeiro ao tentar alcançar as prateleiras poeirentas até então invictas de mãos intrusas. No meio do pó repousavam os brinquedos de balsa, feitos 30 anos antes, pelas hábeis mãos de outra criança. Eram os barcos dela que navegavam o atlântico e que com os seus canhões afundaram o Bismark uma centena de vezes. Eram os aviões que pela sua mão várias vezes eludiram nos ares a Luftwaffe e salvaram in extremis os seus companheiros de asas. Eram o prolongamento da imaginação de quem vivia na sombra do fim de uma guerra nunca vista, fonte de horror desumano, mas que iluminava e encantava a imaginação fértil de um jovem perdido na ruralidade minhota. Assim que a exaustão física atingia o seu cumulo, os brinquedos voltavam às prateleiras, e eu submergia nas historias fantasiosas que saiam das Reader's Digest directamente para as previsões do futuro. Naquelas revistas amarelecidas guardadas religiosamente nas gavetas empenadas (nem todas feitas da mesma madeira exterior...) ditava-se um futuro feito de Zeppelins porta-aviões, e soldados voadores, cidades perfeitas de automação e sociedades de abundância, paz e iluminismo.

Esse futuro nunca chegou a vir, com especial pena pela parte dos zeppelins porta-aviões. Mas veio um mundo em paz feita de tensões entre bons e maus, os do ocidente e os de leste, entre a democracia e as ditaduras totalitárias, entre os livres e os comunistas que ocasionalmente comeriam criancinhas como eu ao pequeno almoço. O oriente, era algo que ficava para lá das fronteiras. Um mundo distante que desde Nagazaki e o paralelo 38 tinha ficado parado, arrefecido na minha história bélica. Cresci assim num universo ocidente-centrico, pacifico, já sem vietnams e descolonizações, confortavelmente habitando um mundo de liberdades conquistadas no sangue do passado e depois garantidas pelo Tio Sam. À medida que os anos passaram e a consciência critica fortaleceu, o mundo acinzentou em degradês de muitas faces. Afinal os maus dizem-se bons agora, e os velhos bons esqueceram-se do que eram e por vezes foram, são, bem maus.

Hoje começa mais um ano chinês. É o ano do Tigre. Um bom motivo para se celebrar com uma carinhosa oferenda aos entes queridos. No momento em que recebo um presente penso no outro quinto da população mundial que está em festa. Interrogo sobre o sentido daqueles festejos. Se eles ainda se guiam pelo o seu calendário, ou se o novo ano já nada mais é do que uma data no calendário gregoriano. Um momento de folclore tradicional, como a Páscoa para os cristãos. Os muçulmanos, mais fracos em numero e cultura, cederam e foram já tomados. O seu arcaico e errante calendário foi já arrematado para a dimensão do folclore. Mas se utilizar o mesmo critério, do numero e da força, questiono-me se daqui a trinta anos a minha criança estará hoje a receber um presente na escola, e trouxer para casa um livro sobre o sucesso do modelo revolucionário chinês...

Não sei obviamente o que o futuro nos reserva. Dizem que os de Tigre são audazes, aventureiros e charmosos. Gostam de assumir riscos e agir antes de pensar nas consequências. Tudo portanto que é necessário para que este seja um bom ano! Eu pela minha parte... continuo a querer ver zepplins porta-qualquer-coisa a ocupar os céus.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Perene

Venho das regiões temperadas, onde o inverno é feito de caducidades, coisas que se deixam cair e murchar. Tempos agrestes de limpeza feita ao gosto dos vendavais e de enxurradas de águas cinzentas em terra escura. O recolhimento para o recato quente. O preparo cuidado e ponderado de uma nova primavera.

E por isso estranho este frio. O branco caiado fica vazio sem o calor do verão. Como um quadro que desbotou queimado pelo sol. O vento cortante sacode os arbustos e as árvores de folha perene. O ar enche-se de ruídos estranhos das madeiras turquesa de portadas e varandins que rangem e batem umas nas outras. As ruas de lajes gastas guardam a história como as folhas que nunca caem.

Aqui nunca se renasce. Finge-se. Não se protegem da chuva, mesmo que caia um diluvio. Espera-se que o frio passe e as nuvens sequem. Não é verão, mas também não é coisa alguma.

Hiberno, e comigo as sementes que esperam pela primavera.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Gasóleo

Inusitado. Em boa verdade tudo não demorou mais de meia hora. Mas esta foi a primeira vez que o meu carro foi locomovido à força de braços dos serviços secretos de um país. O meu dossier engorda de dia para dia!

Ah... como eu pagaria para o poder ler quando sair daqui. Aposto que deve ser melhor que o meu blog!

Procrastinar

(latim procrastino, -are)
v. tr.
1. Diferir de dia em dia ou deixar para depois. = adiar, postergar, protrairantecipar
v. intr.
2. Usar de delongas. = delongar, demorar, postergarabreviar, acelerar, despachar-se

Malas

Referia-me aos corpos - disse eu - talvez sejam uma espécie de malas, transportamo-nos a nós próprios.
António Tabucchi, in Nocturno Indiano

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Orçamento

Apresentado o Orçamento Geral do Estado Português para 2010 pela mão do partido do governo - Partido Socialista - depois de uma pequena farsa de debate com os dois partidos, cujos os deputados se sentam à sua direita no parlamento. Um OE que não ataca nenhum dos problemas do País. Não há reformas convincentes em nenhuma área crucial e no mínimo o que se perspectiva para o futuro é uma continuação da degradação do ambiente económico e social em Portugal. Mais desemprego, menos liberdade, mais desigualdade, menos justiça. Um contexto de crise em que o espaço para a iniciativa privada é cada vez mais diminuto. Abrir uma empresa é uma hercúlea empreitada, que mais provavelmente sucumbe ao peso do estado e a oclusão da economia, do que conseguirá criar emprego e valor. Prestar os nossos serviços por conta de outrem (um termo muito bonito sobre o qual depois voltarei) é estar no jugo das multinacionais que a qualquer momento podem desistir do país.

O porquê de referir tudo isto? Apenas para me assegurar por escrito que tão cedo não regresso. Que perspectivas encontra alguém que queira regressar?

Se o PS soubesse deste desenvolvimento... estou certo que tudo seria diferente!

sábado, 23 de janeiro de 2010

Ciclope


* Hoje, olho a vida de forma enviesada!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Teleboutique


*Hoje a Loja começa a dar espaço publicitário a outras lojas deste mundo...
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