quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pré-Epoca

Eram dois meses de liberdade. As Férias Grandes. Julho e Agosto. Os dois responsáveis por deformar o meu calendário mental - uma elipse feita pelos meses divididos em semanas, que tinha neste período uma forma desproporcionalmente alongada. Parecia-me que por estas alturas do ano o tempo nunca mais acabava... demorava mais a passar e mais preenchido do que nunca. Por oposição... de Setembro a Dezembro a elipse estreitava. Nunca dava conta do tempo passar até ao Natal. Mas sobre a geometria da minha elipse hei de voltar...

Era então em Setembro que acabavam as férias se preparava a nova época. Setembro era tempo de pré-época, sinónimo de que se vivia também uma ou duas semanas de pré-escola. Depois de dois meses repletos de ócio e desleixo o corpo esquecia para que tinha sido feito. Os anteriores 10 longos meses de treino pareciam uma vaga memoria nas formas adelgaçadas com que os membros e dorso chegavam ao final de Agosto. Sempre me surpreendeu a fraca memória muscular. Como era possível num corpo que parece memorizar todas as marcas que lhe deixamos, que nuns parcos 60 dias se tivesse esquecido do que andou a fazer antes?

Avivar a memória, preparar o corpo e a mente para o novo ano, era motivação especifica durante aquelas 3 semanas. Muito trabalho depois haveria de continuar a ser feito durante todo o ano, num constante esforço de repetição de exercícios técnicos, e esforços físicos. Tudo programado para, pela repetição e constante esforço, condicionar o corpo a um estado de superior performance. Eram também... as 3 semanas mais dolorosas da minha existência! Três a quatro vezes por semana éramos esforçados até ao limite físico. A entrega física era baseada na confiança de que a carga era programada pelo treinador e pensada para a nossa idade... mas é com dúvidas que hoje recordo essa devoção.... essa confiança.

Aprendi nessa altura que durante exercício intenso e continuo o corpo, depois de consumir a energia disponível, recorre às reservas musculares para continuar a sintetizar os nutrientes necessários, no processo é libertado ácido láctico que vai entorpecendo de forma dolorosa a massa muscular... se o exercício não é parado, a dado momento o ácido é tanto que os músculos simplesmente paralisam. Era assim que o treino acabava quando, paralisados em dor, os meus abdominais recusavam-se a mexer mais! O paradoxo de tudo isto, é que o corpo durante e depois do exercício liberta endorfinas para regular a percepção de dor, e proporcionar relaxe e prazer. Tal como um bom admirador de S&M, a cada final de treino eu caia exausto na minha cama com um sorriso estampado nos lábios. Eu sentia-me bem!

Intervalados por pequenos momentos de relativa curta duração, passaram-se já uns longos 15 anos desde que deixei de o fazer. De sentir isso. Se 2 meses podiam levar os músculos a esquecer... 15 anos representam um longo definhar num sonolento Alzheimer. Perdida a massa e a forma, resta apenas o prazer de ressentir acordar da dor muscular. Ontem ao final de um pífio tempo de exercício, lá começou o ácido a correr... mas desta feita eu estava ali precisamente para iniciar a minha pré-época... e de braçada em braçada aumentei o esforço e a minha lactose. Impagável o sorriso saído daquela piscina de músculos inchados e doridos...
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