sábado, 9 de março de 2013

Marsa

A 15 km ao norte de Túnis, encravada entre as colinas de cedros de Gammarth e Sidi Bou Said, fica a vila La Marsa. As três, em conjunto com a ancestral Cartago que as ladeia, contornam o mediterrâneo numa sucessão de colinas e praias, formando uma zona balnear que a elite local e os expatriados tomaram como sua. A zona está para Túnis, como Cascais está para Lisboa. No período pré-revolucionário, a analogia a Cascais dos 60’s era perfeita, com direito à sua própria corniche marítima. Um pequeno microcosmos de ricos e diplomatas que ultrapassam em número a população local e criam um ambiente cosmopolita isolado do resto do país.

*de Gammarth para La Marsa, e ao fundo Sidi Bou Said
É uma zona lindíssima, de contrastes fortes com os cedros verdes, as casas brancas e o mediterrâneo aqui turquesa. As colinas dão-lhe intimismo, e o mar é calmo nas marés e no sentimento que nos preenche. Nas suas praias lado a lado banham-se mulheres vestidas e outras (quase) despidas. Das sofisticadas casas de Gammarth, das diplomáticas maisons de Carthago e das ancestrais vielas de Sidi Bou, todos descem as ruas de La Marsa para desfrutar dos restaurantes e passeios marítimos.

* a corniche marítima de La Marsa
Esta foi a nossa Tunísia, a que me deixou saudades, e neste regresso foi aqui foi onde encontrei mais diferenças. É certo que durante o inverno a zona hiberna, recolhe-se, desertifica-se… fecha. Vive-se uma quasi-depressão colectiva saudosa das noites tépidas do verão e dos longos e escaldantes dias. Mas este ritmo já eu o conheço bem, para deixar que me engane. Não foi isso que me impressionou. Senti a zona baça, sem brilho. E percebi nas pessoas receio e apreensão.

Esta é a zona secular por excelência na Tunísia. É também a mais rica, desigual e ostensiva, onde no anterior regime a nomenclatura reinante dava azo público as suas excentricidades. Por tudo isto, esta é uma zona tornada alvo primordial das invejas e criticas extremistas. O processo revolucionário constrangeu a excepcionalidade que ali se vivia. Naturalmente que ninguém tem pena dos Trabelsi e lamente o fim daquela opulência. Mas este é também o bastião da secularidade, da mundividência da Tunísia  Senti-lo assim titubeante é sintomático das mudanças politicas e sociais que se vivem actualmente no país e os perigos que nelas estão contidos. E não fosse a revolução e todo o processo politico suficientemente negativos para La Marsa, uma outra ameaça velada paira no ar: o regresso do Banco Africano de Desenvolvimento à sua sede original em Abidjan na Costa do Marfim. A saída da sede do Banco, levará consigo a esmagadora maioria dos 1200 funcionários, e suas respectivas famílias. Isto irá representar uma perda de mais de 3000 pessoas, na maioria residentes da zona de La Marsa. Será um rude golpe na comunidade, na sua diversidade, na sua importância como farol de valores e visão do mundo. Os tunisinos ficaram assim mais sozinhos para enfrentar os seus próprios demónios.

Já o Banco terá de ir enfrentar os seus em Abidjan, mas sobre isto volto depois…



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